Prof. : Lúcio Jorge Hammes
1 Introdução
1.1 Objetivo
Oportunizar o debate sobre a filosofia de Imre Lakatos com o
aprofundamento de questões relacionadas ao conhecimento objetivo, um dos
enfoques predominantes na filosofia da ciência contemporânea, com ênfase
nas análises das práticas científicas para a revisão e o aprofundamento
das questões tradicionais da epistemologia e da ontologia, critérios que
presidem as mudanças cientificas para o debate entre fundacionismos e
relativismos epistemológicos.
Com esta aula proponho:
- Apresentar a posição de Imre Lakatos sobre a ciência e a
pseudociência, temática central da filosofia de Lakatos.
- Debater sobre questões que mobilizaram os filósofos da ciência no
início do séc. XX (análise lógica da linguagem, fundamentos empíricos da
ciência, critério de significação cognitiva), mostrando como suas
soluções promoveram a revisão e a revitalização da tradição
fundacionista na epistemologia.
- Analisar as objeções de Popper ao programa do empirismo lógico e o
debate que se seguiu entre o autores acerca da possibilidade de as
mudanças científicas serem presididas por decisões e critérios racionais.
- Promover a compreensão dos problemas que mobilizam as reflexões
filosóficas contemporâneas sobre a ciência (subdeterminação da teoria
pelo dados, progresso científico, incomensurabilidade etc.), que
constituem uma agenda de discussão em grande parte herdada da tradição
historicista inaugurada por Kuhn.
1.2 AUTOR
Imre Lakatos, nascido Imre Lipschitz em 1922 na Hungria, faleceu em 1974
em Londres. De família judia, conseguiu sobreviver à perseguição nazi
alterando o seu nome para Imre Molnár. Durante os anos da guerra
graduou-se na Universidade de Debrecen em matemática, física e
filosofia. Depois da guerra, alterou o apelido para Lakatos. Trabalhou
no Ministério Húngaro da Educação, mas teve problemas em acatar ordens
das autoridades russas pelo que foi preso em 1950, por três anos.
Lakatos passou a viver de traduções. Em 1956, aquando da revolução
húngara, abortada pelos Russos, fugiu para Viena e daí para Inglaterra,
onde se doutorou em Filosofia pela Universidade de Cambridge. Escreveu
diversos artigos primeiro sobre filosofia da matemática, depois sobre
filosofia da ciência, mas sempre ilustrados com estudos de casos históricos.
1.3 Ciência e pseudociência
Uma pseudociência é qualquer tipo de informação que se diz ser baseada
em fatos científicos, ou mesmo como tendo um alto padrão de
conhecimento, mas que não resulta da aplicação de métodos científicos.
Motivações para a defesa ou promoção de uma pseudociência variam de um
simples desconhecimento acerca da natureza da ciência ou do método
científico,a uma estratégia deliberada para obter benefícios financeiros
ou de outra natureza. Algumas pessoas consideram algumas ou todas as
formas de pseudociências como um entretenimento sem riscos. Outros, como
Richard Dawkins, consideram todas as formas de pseudociência perigosas,
independentemente destas resultarem ou não em danos imediatos para os
seus seguidores.
1.3.1 Classificação de Pseudociências
Tipicamente,as pseudociências falham ao não adoptar os critérios da
ciência em geral (incluindo o método científico), e podem ser
identificadas por uma combinação de uma destas características:
Ao aceitar verdades sem o suporte de uma evidência experimental;
Ao aceitar verdades que contradizem resultados experimentais estabelecidos;
Por deixar de fornecer uma possibilidade experimental de reproduzir os
seus resultados;
Ao aceitar verdades que violam falseabilidade; ou
Por violar a Razão de Occam (o princípio da escolha da explicação mais
simples quando múltiplas explicações viáveis são possíveis); quanto pior
for a escolha, maior será a possibilidade de errar.
Pseudociências são distinguíveis de revelações, teologias ou
espiritualidade pois elas dizem revelar a verdade do mundo físico por
meios científicos (ou seja, muitas normalmente de acordo com o método
científico). Sistemas de pensamento que se baseiam em pensamentos de
origem "divina" ou "inspirados" não são considerados pseudociência se
eles não afirmam serem científicos ou não vão contra a ciência.
1.3.2 O Problema da Demarcação
Depois de mais de um século de diálogo activo, a questão do que marca as
fronteiras da ciência permanece indefinida. Como consequência a
definição do que constitui uma pseudociência continua a ser controversa.
Há um consenso razoável em certos casos. O critério da demarcação é
tradicionalmente ligado a uma filosofia da ciência ou a outra. O
Positivismo lógico, por exemplo, expõe uma teoria do significado que
estabelece que apenas as assertivas sobre observações empíricas são
significativas, efectivamente definindo que assertivas que não são
derivadas desta forma (incluindo todas as assertivas metafísicas) são
sem significado. Mais tarde, Karl Popper atacou o positivismo lógico e
introduziu o seu próprio critério de demarcação falseabilidade. Este,
por sua vez, foi criticado por Thomas Kuhn, e ainda pelo seguidor de
Popper Imre Lakatos que propôs o seu próprio critério de demarcação que
distingue entre programas de pesquisa progressivos e degenerativaos.
Veja em Problema da demarcação um artigo completo.
1.3.3 Exemplos de Pseudociência
Exemplos de campos de pesquisa que muitos consideram em diferentes
graus, pseudo-científicas. Fusão fria, pseudoarqueologia, Cubo do tempo
de Gene Ray, astrologia, Homeopatia e Criacionismo .
1.4 Obra
Partindo inicialmente das idéias de Popper, mas procurando
desenvolvê-las a fim de superar as críticas de Kuhn e de Feyerabend, o
húngaro Imre Lakatos (1922- 1974), que também pode ser considerado como
um racionalista crítico, propõe sua metodologia dos programas de
pesquisa científica como uma explicação lógica do fazer científico.
Lakatos afirma que os relatos indutivistas e falsificacionistas da
ciência são falhos por não considerarem a complexidade do estudo
histórico das principais teorias científicas. Assim, ele procurou
analisar de que modo a razão e a história participaram do processo de
crescimento e desenvolvimento do conhecimento científico. Inclusive, ao
defender esta linha de pensamento, Lakatos, numa paráfrase a Kant7 ,
afirmou que “a filosofia da ciência sem a história da ciência é vazia; a
história da ciência sem a filosofia da ciência é cega” (apud SILVEIRA,
1996b, p.220).
Assim, na tentativa de melhorar o falsificacionismo de Popper e superar
as objeções a ele (CHALMERS, 2000), Lakatos afirma que a história da
ciência permite verificar que as teorias científicas não são abandonadas
mesmo quando apresentam possíveis falsificações. Ou seja, muito tempo
pode decorrer antes que possa ocorrer o falseamento de uma teoria que
apresente dados problemáticos. Lakatos cita vários exemplos históricos a
fim de validar esta idéia8. Observações da órbita da Lua, por exemplo,
apresentaram inconsistências em relação à teoria gravitacional de
Newton, e seguiram-se quase cinqüenta anos até que fosse descoberto que
o problema não era na teoria newtoniana, e sim devido a outros fatores
não previstos. Caso semelhante ocorreu em rerlação à órbita do planeta
Urano, pois observações astronômicas também estavam refutando a teoria
gravitacional de Newton. Mais uma vez, no entanto, não se refutou a
teoria de Newton, mas procurou-se atribuir as discrepâncias
observacionais a outro fator, no caso, a existência de outro planeta,
ainda desconhecido. Em 1845 foram feitos cálculos, usando a teoria
gravitacional de Newton, que permitiram prever a localização deste
suposto planeta. Novas observações resultaram na descoberta do planeta
Netuno. Outro exemplo diz respeito à teoria heliocêntrica de Copérnico,
que mesmo falsificada por argumentos, como o da torre, da Lua, da
ausência de paralaxe, de variação de tamanho dos planetas , e outros,
que pareciam incontestáveis na época, manteve-se apoiada por vários
matemáticos e filósofos naturais, incluindo celebridades como Kepler e
Galileu, que inclusive, exerceram influência inquestionável na
construção, por Newton, da dinâmica dos movimentos e da teoria
gravitacional.
Lakatos, a partir destas e outras contestações históricas, procurou
demonstrar que a não refutação imediata das teorias permitiu o progresso
da ciência. Segundo Chalmers (2000, p.112):
Está claro que a ciência avançará mais eficientemente se as teorias
forem estruturadas de maneira a conter em seu interior indícios e
receitas bastante claros quanto a como elas devem ser desenvolvidas e
estendidas. Elas devem ser estruturas abertas para que ofereçam um
programa de pesquisa.
Assim, para Lakatos, os programas de pesquisa, ao fornecerem programas
coerentes como guia de pesquisas futuras, permitiriam avaliar
objetivamente o progresso da ciência. A metodologia dos programas de
pesquisa de Lakatos estabelece que o programa de pesquisa deva possuir
um núcleo rígido, ou seja, um conjunto de leis consideradas
irrefutáveis, que são os princípios fundamentais de uma teoria.
Exemplificando: na mecânica newtoniana o núcleo rígido é composto pelas
três leis de Newton e a lei da gravitação de Newton, na astronomia
copernicana o núcleo rígido supõe que o Sol é estacionário e os
planetas, inclusive a Terra, giram em torne dele, em órbitas circulares,
no materialismo histórico de Marx, o núcleo rígido supõe que a mudança
histórica é explicada pelas lutas de classes, na teoria do flogisto, o
núcleo rígido supõe que na combustão há liberação de flogisto .
Além do núcleo rígido, o programa de pesquisa deve possuir um cinturão
de proteção, que possui um conjunto de hipóteses auxiliares e condições
iniciais passíveis de serem refutadas, protegendo assim, o núcleo contra
refutações, condição imprescindível para que as anomalias não provoquem
abandonos precipitados de teorias, o que além de evitar que os
pesquisadores fiquem confusos, permite períodos propícios ao
desenvolvimento e o progresso das pesquisas. Foi desta forma, mantendo o
núcleo rígido, e promovendo alterações no cinturão de proteção, que foi
possível, por exemplo, manter a teoria newtoniana e progredir em direção
à descoberta do planeta Netuno.
Esta regra de manter intacto o núcleo rígido, é chamada, por Lakatos, de
heurística negativa, do programa. Haveria também a heurística positiva,
que estaria relacionada com as sugestões e propostas de modificação do
cinturão de proteção, a fim de tornar as observações refutáveis em
observações concordantes com o núcleo.
A heurística positiva apresenta um programa que inclui uma cadeia de
modelos cada vez mais complicados, que simulam a realidade: a atenção do
cientista focaliza-se na construção dos modelos de acordo com as
instruções que figuram na parte positiva do programa. (LAKATOS, 1979, p.165)
Para avaliar os programas de pesquisa, Lakatos propõe critérios que
permitem classificá-los em progressivo e degenerativo. Um programa está
progredindo, ou seja, é progressivo, quando modificações no cinturão de
proteção levam à previsão de novos fatos, e um programa está regredindo,
ou ainda, é degenerativo, quando acrescenta ajustes ad hoc que não
prevêem nenhum fato novo, ou, se prevê, este fato não é corroborado. Um
exemplo, segundo Lakatos, é o caso do programa marxista, que previu
fatos novos que nunca se concretizaram, como por exemplo, o
empobrecimento absoluto das classes trabalhadoras, a ocorrência da
revolução socialista em uma sociedade industrial desenvolvida, a
ausência de revoluções em sociedades socialistas (SILVEIRA, 1996b).
Lakatos concorda, então, com Popper na crença de que a ciência procura
aumentar seu conteúdo empírico e preditivo de suas teorias, e que esse
aumento de conteúdo não deve ser ad hoc. Ao contrário de Kuhn que
considera a revolução científica como um processo irracional, resultado
da psicologia das multidões, Lakatos afirma que a passagem de um
programa de pesquisa para outro é um processo racional. A superação de
um programa de pesquisa, ocorre quando um programa rival possui maior
conteúdo progressivamente preditivo, ou seja, prediz tudo que o programa
confrontado prediz, e ainda mais. Segundo Lakatos:
Como se sucedem as revoluções científicas? Se houver dois programas de
pesquisa rivais e um deles progride, enquanto o outro degenera, os
cientistas tendem a aderir ao programa progressivo. Esta é a explicação
das revoluções científicas. (apud SILVEIRA, 1996, p.224)
Porém, a superação de um programa por outro não é um processo imediato.
Por exemplo, “oitenta e cinco anos se passaram entre a aceitação do
periélio de Mercúrio como anomalia e sua aceitação como falseamento da
teoria de Newton” e corroboração da teoria da relatividade de Einstein
(apud ALVES-Mazzotti, 2001, p.35). É comum, durante o processo de
superação, que os cientistas trabalhem em qualquer um dos programas, ou
até mesmo, nos dois programas simultaneamente, o que evidencia que a
tese da incomensurabilidade de Kuhn é insustentável.
1.5 CONCEPÇÃO MODERNA DE CIÊNCIA
Fica assim apresentada uma das concepções modernas de ciência, as quais
colocam o fazer ciência sob uma perspectiva muito mais realista: fazer
ciência e' uma atividade humana como outra qualquer, e como tal esta'
sujeita `as convicções e julgamentos dos grupos sociais que a realizam.
Enfim, volto a frisar, me parece claro que não existe uma forma segura e
objetiva de se extrair conhecimento cientifico mesmo a partir dos fatos.
A ciência e' muito mais complexa do que se poderia supor a partir das
concepções positivistas, pois tem-se que elaborar teorias cientificas
apesar de toda a subjetividade e insegurança intrínsecas ao psiquismo
humano.
Evidentemente, o estatuto científico de uma teoria não pode ser decidido
através da mera deliberação de se definir como uma "ciência". Esse
atributo é inerente à natureza intrínseca da teoria, e não à denominação
que se lhe dê. A tarefa de determinar quais as características de uma
teoria são necessárias e suficientes ao seu enquadramento na categoria
de ciência cabe à sub-área da Filosofia intitulada Filosofia da Ciência.
Essa disciplina, assim como outros ramos do saber, vem evoluindo
constantemente. Em seu caso específico, progressos essenciais ocorreram
no século XX, e , mais acentuadamente, a partir da década de 60. Os
trabalhos de vários filósofos, entre os quais Karl Popper, Willard
Quine, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos, evidenciaram graves
problemas na concepção de ciência que prevaleceu durante séculos, e
ainda hoje é muito freqüente encontrar-se entre os não filósofos.
Muito simplificadamente, poderíamos dizer que pelo menos desde o
surgimento da ciência moderna, por volta do século XVII, acreditava-se
que a Ciência consistia na catalogação neutra de um grande número de
"fatos", dos quais então resultariam, de maneira "espontânea", certa e
infalível, as leis gerais que o regem; a reunião de tais leis
constituiria então uma teoria científica.
Conforme mencionamos, essa visão "clássica" de ciência mostrou-se
insustentável. Percebeu-se que a descrição, busca e classificação dos
fatos necessariamente envolve pressuposições teóricas de um tipo ou de
outro; que nenhuma lei teórica pode resultar lógica e infalivelmente de
um conjunto de fatos, qualquer que ele seja; que uma teoria científica
não é um simples amontoado de leis, sendo, antes, uma estrutura dinâmica
complexa, na qual participam elementos de diversas naturezas, como
resultados observacionais, hipóteses livremente concebidas, regras para
o desenvolvimento futuro da teoria, decisões metodológicas, fragmentos
de outras teorias etc.
1.6 Leitura do texto “Popper, o falseacionismo e a ‘Tese Duhem-Quine”
(pp. 224-234)
1.7 Visão geral da obra: programa de pesquisa Lakatos
1.7.1 Considerações sobre o método
Um "programa de pesquisa" lakatosiano é uma estrutura que fornece um
guia para futuras pesquisas, tanto de uma maneira positiva, como
negativa. A "heuristica negativa" de um programa envolve a estipulação
de que as assunções básicas subjacentes ao programa, que formam o seu
"núcleo rígido", não devem ser rejeitadas ou modificadas. Esse núcleo
rígido e resguardado
contra falseaçõs por um "cinturão protetor" de hipóteses auxiliares,
condições iniciais, etc. A "heurística positiva" constitui-se de
prescrições não muito precisas que indicam como o programa deve ser
desenvolvido... Os programas de pesquisa são considerados "progressivos"
ou "degenerantes", conforme tenham sucesso, ou persistentemente
fracassem, em levar a descoberta de novos fenômenos.
1.7.2 Núcleo rígido
O núcleo rígido (hard core) de um programa é aquilo que essencialmente o
identifica e caracteriza, constituindo-se de uma ou mais hipóteses
teóricas. Eis alguns exemplos. O núcleo rígido da cosmologia
aristotélica inclui, entre outras, as hipóteses da finitude e
esfericidade do Universo, a impossibilidade do vazio, os movimentos
naturais, a incorruptibilidade dos céus. O núcleo da astronomia
copernicana consiste das assunções de que a Terra gira sobre si mesma em
um dia e em torno do Sol em um ano, e de que os demais planetas também
orbitam o Sol. O da mecânica newtoniana e formado das três leis
dinâmicas e da lei da gravitação universal. O da teoria especial da
relatividade, o principio da relatividade e a constância da velocidade
da luz; o da teoria da evolução de Darwin-Wallace, o mecanismo da
seleção natural.
1.7.3 Heurística negativa
Por "uma decisão metodológica de seus protagonistas" (Lakatos 1970, p.
133), o núcleo rígido de um programa de pesquisa e "decretado"
não-refutavel. Possíveis discrepâncias com os resultados empíricos são
eliminadas pela modificação das hipóteses do cinturão protetor. Essa
regra e' a heurística negativa do programa, e tem a função de limitar,
metodologicamente, a incerteza quanto a parte da teoria atingida pelas
"falseações". Recomendando-nos direcionar as "refutações" para as
hipóteses não-essenciais da teoria, a heurística negativa representa uma
regra de tolerância, que visa a dar uma chance para os princípios
fundamentais do núcleo mostrarem a sua potencialidade. O testemunho da
historia da ciência parece de fato corroborar essa regra, como vimos nos
exemplos que demos acima. Uma certa dose de obstinação parece ter sido
essencial para salvar nossas melhores teorias cientificas dos abundantes
problemas de ajuste empírico que apresentavam quando de seu nascimento.
Lakatos reconhece, porém, que essa atitude conservadora tem seus
limites. Quando o programa como um todo mostra-se sistematicamente
incapaz de dar conta de fatos importantes, e de levar a predição de
novos fenômenos (i.e., torna-se "degenerante"), deve ceder lugar a um
programa mais adequado, "progressivo". Como uma questão de fato
histórico, nota-se que um programa nunca e abandonado antes que um
substituto melhor esteja disponível.
1.7.4 Heurística positiva
A heurística positiva de um programa é mais vaga e difícil de
caracterizar que a heurística negativa. Segundo Lakatos, ela consiste
"de um conjunto parcialmente articulado de sugestões ou idéias de como
mudar ou desenvolver as 'variantes refutáveis' do programa de pesquisa,
de como modificar, sofisticar, o cinturão protetor 'refutável'." (op.
cit. p. 135) No caso da astronomia copernicana, por exemplo, a
heurística positiva indicava claramente a necessidade do desenvolvimento
de uma mecânica adequada a hipótese da Terra móvel, bem como de novos
instrumentos de observação astronômica, capazes de detectar as previstas
variações no tamanho aparente dos planetas e as fases de Vênus, por
exemplo. Assim, o telescópio foi construído algumas décadas após a morte
de Copérnico pelo seu ardente defensor, Galileu, que também principiou a
criação da nova mecânica. Esta, a seu turno, uma vez concebida por
Newton, apontou para um imenso campo aberto, no qual se deveria buscar
uma nova matem ática, medidas das dimensões da Terra, aparelhos para a
detecção da forca gravitacional entre pequenos objetos, etc."
Tomando o exemplo de um dos mais bem sucedidos programas de pesquisa da
Física, a Mecânica Newtoniana, vemos que possui um núcleo rígido formado
pelas três leis newtonianas do movimento e pela lei da gravitação
universal, que a heurística negativa do programa recomenda sejam
mantidas inalteradas: eventuais discrepâncias com a experiência devem
ser eliminadas através de ajustes nas hipóteses auxiliares do cinturão
protetor. Esse processo ocorreu várias vezes durante o desenvolvimento
do programa, como quando, no século XIX, se verificou que as previsões
teóricas para a trajetória do planeta Urano conflitavam com os dados da
observação astronômica; ao invés de imputar esse desvio a possível
falsidade das leis do núcleo rígido, assumiu-se que deveria existir um
corpo celeste desconhecido perturbando a trajetória do planeta; mais
tarde, foi, de fato, observada a existência desse corpo, o planeta
Netuno. Assim como nesse episódio, a conjunção das heurísticas negativa
e positiva do programa newtoniano levou à inúmeros desenvolvimentos:
novas teorias ópticas, novos aparelhos e técnicas de observação, criação
de novos ramos da Matemática etc. A partir do início de nosso século,
porém, o programa tornou-se degenerante, por motivos vários que não cabe
expor aqui, vindo a ser substituído pelos programas das Teorias da
Relatividade e da Mecânica Quântica.
1.7.5 Critérios de demarcação
Como podemos notar da citação acima, os modernos conceitos de ciência,
mais realistas, deixam transparecer o caráter claramente humano da
ciência, que passa a ser então vista como um fruto das convicções de um
grupo social (que "decreta" que o núcleo rígido de seu programa de
pesquisa é não-refutável), com todo o seu conteúdo de crenças e
des-crencas e, portanto, de subjetivismo. Enfim, assume-se claramente a
realidade de que não existe um método "objetivo e seguro" de se fazer
ciência.
"A concepção lakatosiana de ciência envolve um novo critério de
demarcação entre ciência e não-ciência. Lembremos que o critério
indutivista considerava cientificas somente as teorias provadas
empiricamente. Tal critério é, como vimos, forte demais: não haveria,
segundo ele, nenhuma teoria genuinamente cientifica, pois todo
conhecimento do mundo exterior e falível. Também o critério
falseacionista, segundo o qual só são cientificas as teorias refutáveis,
elimina demais: como nenhuma teoria pode ser rigorosamente falseada,
nenhuma poderia classificar-se como cientifica."
O critério de demarcação proposto por Lakatos, por outro lado,
adequadamente situa no campo cientifico algumas das teorias unanimemente
tidas como cientificas, como as grandes teorias da física. Esse critério
funda-se em duas exigências principais: uma teoria deve, para ser
cientifica, estar imersa em um programa de pesquisa, e este programa
deve ser progressivo. Deixemos a Lakatos a palavra (1970, pp. 175-6):
"Pode-se compreender muito pouco do desenvolvimento da ciência quando
nosso paradigma de uma porção de conhecimento cientifico e uma teoria
isolada, como 'Todo cisne e branco', solta no ar, sem estar imersa em um
grande programa de pesquisa. Minha abordagem implica um novo critério de
demarcação entre 'ciência madura', que consiste de programas de
pesquisa, e 'ciência imatura', que consiste de uma colcha de retalhos de
tentativas e erros ..."
"A ciência madura consiste de programas de pesquisa nos quais são
antecipados não apenas fatos novos, mas também novas teorias auxiliares;
a ciência madura possui 'poder heurístico', em contraste com os
processos banais de tentativa e erro." Lembremos que na heurística
positiva de um programa vigoroso há, desde o inicio, um esboço geral de
como construir os cinturões protetores: esse poder heurístico gera "a
autonomia da ciência teórica".
Essa "exigência de crescimento continuo" [progressividade do programa] e
minha reconstrução racional da exigência amplamente reconhecida de
'unidade' ou 'beleza' da ciência. Ela põe a descoberto a fraqueza de
"dois" tipos de teorização aparentemente muito diferentes entre si.
Primeiro, evidencia a fraqueza de programas que, como o marxismo ou o
freudismo, são indubitavelmente 'unificados', e fornecem um plano geral
do tipo de teorias auxiliares que irão utilizar para a absorção de
anomalias, mas que invariavelmente criam suas teorias na esteira dos
fatos, sem ao mesmo tempo anteciparem fatos novos. (que fatos novos o
marxismo "previu" desde, digamos, 1917?) Em segundo lugar, ela golpeia
seqüências remendadas de ajustes 'empíricos' rasteiros e sem imaginação,
ato freqüentes, por exemplo, na psicologia social moderna. Tais ajustes
podem, com o auxilio das chamadas 'técnicas estatísticas', produzir
algumas predições 'novas', podendo mesmo evocar alguns fragmentos
irrelevantes de verdade que encerrem. Semelhantes teorizações, todavia,
não possuem nenhuma idéia unificadora, nenhum poder heurístico, nenhuma
continuidade. Não indicam nenhum programa de pesquisa, e são, no seu
todo, inúteis."
2 CONSIDERAÇÕES FINAIS
a) Aproveitamento prático – metodologia de pesquisa (cientista de hoje)
b) Preparação de pesquisas científicas.
3 ENCAMINHAMENTOS .
- Leituras complementares
- Atenção aos métodos de pesquisa
4 REFERÊNCIAS
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Ciencias Naturais e Sociais: Pesquisa quantitativa e qualitativa. 2. ed.
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HUISMAN, Denis. Dicionário de obras filosóficas. São Paulo: Martins
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KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo:
Perspectiva, 1982. 257 p.
LAKATOS. Imre. "O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa
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Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo : Cultrix / EDUSP, 1979, pp.
109-243.
MARINHO, Ney Couto. Discussão da racionalidade da teoria psicanalítica a
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MIRANDA, Antônio. A ciência da informação e a teoria do conhecimento
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POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo: uma abordagem
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso Sobre as Ciências. 12. ed.
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http://200.17.161.33/~lhammes.unipampa/LucioHammes_files/Textos/LakatosTeriaCien\
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sexta-feira, 24 de abril de 2009
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