sábado, 12 de dezembro de 2009

É Possivel estudar o espiritismo cientificamente?

Eduardo Lima, 2009

É comum depararmos com a idéia de que a ciência reproduz uma
verdade comprovada, irrefutável e infalível. Dar a algo a qualidade de
científico equivale a atestar a sua veracidade inquestionável. A
Matemática, por exemplo, é comumente compreendida como um
conjunto de verdades irrefutáveis. A Física, endeusada por Augusto
Comte, seria o supra-sumo das certezas inquestionáveis e da
racionalidade. Todavia, não é assim que a comunidade científica deve
ver a ciência, pois, o conhecimento científico não é irrefutável e suas
verdades são sempre provisórias, pois duram enquanto não são
retificadas por uma nova teoria ou experiência.



Agradecemos muitíssimo o honroso convite da médica e Prof. Dr. Eliane. Entendemos que nossa presença aqui, através da disciplina “Medicina e Espiritualidade”, significa que a faculdade que vocês se encontram está aberta para explorar caminhos do conhecimento parcialmente desbravados. Procuraremos demonstrar que pouca coisa é tão importante quanto esta atitude durante uma formação acadêmica.
Gostaríamos inicialmente de definir nossos termos. Por epistemologia entendemos o saber que questiona sobre as possibilidades de validade, normatividade e inteligibilidade do conhecimento. Paradigma aqui significa os conteúdos gerais de uma visão de mundo, um macro-consenso sobre uma maneira de entender e de agir a respeito da vida. Neste momento, é plausível passar ao assunto que nos trouxe a esta faculdade hoje.
O tema da palestra engendra um interdisciplinar campo de complexos problemas epistemológicos que, inclusive, podem suscitar quebras paradigmáticas nos saberes atuais. Dito isto, objetivamos três pontos. Em um primeiro momento, abordar algumas destas dificuldades teóricas. Em seguida serão apresentadas pesquisas sobre vida após a morte – entrelaçadas a estudos sobre PSI –, que parecem promissoras. Por fim, explanaremos sobre possíveis vantagens destes estudos.

Imediatamente, a pergunta geral da palestra implica necessidade de definir o que é uma pesquisa cientifica. Adjacente a esta primeira necessidade, deve-se falar que tipo de conhecimento último as pesquisas consideradas cientificas geram. Começando pelo segundo ponto Ricardo Gouvêa em Filosofia observa:

Entretanto, há muito tempo que a filosofia "desconstruiu" a noção clássica de verdade: o que temos hoje são diferentes teorias sobre a verdade, como o correspondentismo, o coerentismo, o verificacionismo, o pragmatismo de William James (1842-1910), o semanticismo (...)


Já focando as ciências duras, Rodrigo Bello afirma:

É comum depararmos com a idéia de que a ciência reproduz uma verdade comprovada, irrefutável e infalível. Dar a algo a qualidade de científico equivale a atestar a sua veracidade inquestionável. A Matemática, por exemplo, é comumente compreendida como um conjunto de verdades irrefutáveis. A Física, endeusada por Augusto Comte, seria o supra-sumo das certezas inquestionáveis e da racionalidade. Todavia, não é assim que a comunidade científica deve ver a ciência, pois, o conhecimento científico não é irrefutável e suas verdades são sempre provisórias, pois duram enquanto não são retificadas por uma nova teoria ou experiência.

No imbricamento destes dois argumentos L. Chevitarese nos apresenta esta síntese:

O desencanto que se instala na cultura é acompanhado da crise de conceitos fundamentais ao pensamento moderno, tais como “Verdade”, “Razão”, “Legitimidade”, “Universalidade”, “Sujeito”, “Progresso”, etc. O efeito da desilusão dos sonhos alimentados na modernidade se faz presente nas três esferas axiológicas por ela mesma diferenciadas: a estética, a ética e a ciência.

Pensando neste desencanto, talvez se possível defender que em nossa contemporaneidade, a época seja propicia a quebra de paradigmas. Voltaremos ao tema no final.

Neste momento, questionamos: Como são formadas estas verdades científicas provisórias? Para Thomas Kuhn uma teoria da ciência substitui outra precisamente quando “é um instrumento mais adequado para descobrir e resolver quebra-cabeças, mas também de alguma forma representa uma visão mais exata do mundo”. Com efeito, de forma geral, a cientificidade de qualquer estudo se efetiva através de uma abordagem teórico-metodológica rigorosa e reconhecida entre a comunidade cientifica. Junto a isto, se entende que uma verdade é cientifica quando seus resultados gerais e verdades provisórias são sustentáveis e utilizados nos vários planos da concretude da existência.
Partindo destas reflexões iniciais, é possível anotar que “qualquer coisa” pode ser estudada de forma cientifica, bastando cumprir o rigor e a pertinência necessários. Deste modo, a ciência – e o que conhecemos cotidianamente com pesquisa cientifica –, é de fato, uma atividade demasiado humana, como diria Nietzsche, portanto, sujeita a graves mudanças e reestruturações ao longo do tempo.
Novamente, segundo T. Kuhn, quando uma imensa mudança de paradigmas ocorre – e um possível reconhecimento cientifico da vida após a morte é uma dessas magnas mudanças –, isso acontece quando o “novo candidato deve parecer capaz de solucionar algum problema extraordinário reconhecido como tal pela comunidade [científica] e que não possa ser analisado de nenhuma outra maneira”. Ou seja, a vida após a morte somente começará a ser aceita cientificamente quando as teorias materialistas já não forem suficientes diante de novos fenômenos/aspectos observados.
Algo, portanto, pode legitimamente ser chamado de um estudo científico sobre vida após a morte se for suficientemente rigoroso e pertinente em termos teórico-metodológicos ao ponto de ser reconhecido como tal pela comunidade. Ao mesmo tempo em que resolve problemas nos vários planos das práticas acadêmicas. Nesse sentido, qualquer um que deseje demonstrar cientificamente que existe vida após a morte, precisa inexoravelmente antes, demonstrar que seus estudos podem legitimamente serem considerados científicos. Somente desta forma serão ouvidos, pois em termos simples, cientistas só dão ouvidos aos seus pares.
Não obstante, estudos sobre a vida após a morte apresentam problemas muito específicos, e problemas sérios. Trataremos disto agora.

Talvez estas dificuldades possam ser agrupadas em três campos: i. Quais tipos de pesquisas devem ser utilizadas e como torná-las realmente científicas; ii. O problema do preconceito dos estudiosos fortemente apegados aos paradigmas já estabelecidos. iii. Os estudos sobre a vida após a morte realmente estão ainda em uma fase pré-paradigmática. Silvio Chibene explica que para Kuhn:

A fase pré-paradigmática representa, por assim dizer, a pré-história de uma ciência, aquele período no qual reina ampla divergência entre os pesquisadores sobre quais fenômenos devem ser estudados e como devem sê-lo; sobre quais devem ser explicados e segundo quais princípios teóricos; sobre como os princípios teóricos se inter relacionam; sobre as regras, os métodos e os va¬lores que devem direcionar a busca, a descrição, a classificação e a explicação de novos fenômenos, ou o desenvolvimento das teorias; sobre quais técnicas e instrumentos podem ser utilizados, quais devem ser utilizados etc. Enquanto predomina tal estado de coisas, a disciplina ainda não alcançou o estado de genuína ciência.

Ou seja, não existem acordos epistemológicos no concernente a estes estudos. Não obstante, acompanhando Silvio Chibene, gostaríamos de enfatizar aqui – e é preciso deixar muitíssimo claro tal ponto –, que pesquisas não se dividem, em dois tipos: cientificas e não cientificas. Na verdade, talvez se possa falar que quando o tema pesquisado pode suscitar quebra de paradigmas da magnitude sobre a qual aqui estamos tratando, os pesquisadores sempre são considerados de alguma forma pioneiros. Isso se dá porque estas ousadias envolvem a construção de novos métodos, problemas e objetos em face de pretensões desta grandeza.
Talvez, uma das lições que o pensamento de Kuhn oferece é que nós não devamos em última instância ter compromisso com nenhuma ciência, mas antes, temos que assumir compromisso com a “verdade”. Com isso, imaginamos agora quantos de vocês, presentes nesta sala, estão abertos para ajudar pesquisadores de vida após a morte, e não somente criticar “ingenuamente” (ou amargamente) suas reais e grandes fragilidades teórico-metodológicas típicas de pesquisas incipientes. Enfatizamos, é forçoso reconhecer com pertinente acuidade teórica esforços de pioneirismo científicos.
É claro que mesmo pesquisas pioneiras devem – além de tentar apresentar todo rigor aqui já comentado –, se basear em protocolos tradicionais. Não obstante, é possível situar em favor destes pioneiros que, mesmo estas exigências são relativas, pois de fato, há um momento nas ciências de ineditismo. Sobretudo, gostaríamos de situar ainda outra vez, que isso deve correr quando o que está em jogo é uma imensa e multidisciplinar quebra de paradigmas. Esta postura mais aberta, a nosso ver, deve ser o grande norte, a incontornável pedra de toque, para quem não deseja cometer crimes de lesa ciência.
Por fim antes de passarmos para outra parte da palestra, esperamos que tenha sido esclarecido igualmente que, em ciências, não se faz necessário inexoravelmente evidências extraordinárias para alegações extraordinárias como alguns falsos céticos gostam de argumentar. Claro que resultados extraordinários são bem vindos. Em termos metafóricos, ninguém em sã consciência irá negar que o suposto animal pé-grande enjaulado é melhor do que vinte boas evidências de que ele existe. No entanto, seria anticientífico dizer que não existiria absolutamente nada por aí em face das mesmas vinte boas evidências. E se, em vez de vinte, forem trinta boas evidências, e a existência de tal animal ainda ajudar a explicar uma série de outras ocorrências misteriosas correlatas, é melhor pensar em preparar a jaula. Kuhn afirmou que às vezes, para uma mudança de paradigma faz-se necessário toda uma nova geração de estudiosos olhando para os problemas de forma mais imparcial, menos “dogmática”, portanto.
Através dos argumentos supracitados é plausível situar que as pesquisas não se dividem apenas entre as que podem apontar a existência de vida após a morte, e as que não podem sugerir a realidade da vida após o colapso da matéria. Entendemos aqui que existe ainda um terceiro tipo: pesquisas que podem ter uma explicação materialista dentro do macro-paradigma atual, ao mesmo tempo em que sugerem a possibilidade sobrevivencialista, enquanto explicação igualmente possível.
Em suma, é muito fácil criticar pesquisas realmente incipientes, mas a nosso ver, devemos ter a competência cientifica de observar os sinais dos tempos que indicam inícios de quebra de paradigmas. A própria existência de uma disciplina como esta que vocês estão fazendo é um desses sinais. É extremamente provável que agora nós estejamos diante de uma platéia intelectualmente heterogênea. E, em face da observação de Kuhn, imaginamos quantos entre vocês morreriam sem aceitar a vida após a morte, ou PSI como cientificamente demonstradas, mesmo em face de acúmulos de novas evidências realmente cientificas. Esperamos que não muitos.
E aqui avançamos para a segunda parte da problemática que cerca nossa palestra perguntando: Quais pesquisas estão sendo feitas cujas conclusões devam levar em consideração como hipótese ou mesmo melhor explicação a vida após a morte? Afinal, de onde sairão as equações ou experimentos que declararão cientificamente aceita a vida após a morte, forjando o necessário acordo acadêmico? Será a Psicologia, a Física, a Química que estarão na linha de frente das mudanças? Acreditamos que uma mudança desta magnitude, só irá ocorrer através de fortes iniciativas interdisciplinares. E que não somente uma, mas várias comunidades de cientistas deverão aceitar, portanto, o novo macro conhecimento. Quando falamos sobre estudos de vida após a morte, destacaremos três tipos e, esperamos ter deixado claro que, a nosso ver, todos se encontram em uma fase mais ou menos pré-paradigmática. 1. Os estudos sobre PSI; 2. Os estudos sobre lembranças espontâneas ou provocadas de vidas passadas; 3 Os de transcomunicação.
Tomando o primeiro recorte, sobre as fronteiras da psiquiatria e espiritualidade, Silvio Chibene afirma:

Casos típicos são as relações entre saúde mental e espiritualidade, principalmente nas situações que envolvem as chamadas “experiências anômalas” e os “estados alterados de consciência”.2 Nesses casos, há discordância sobre quase tudo, a começar pela própria realidade dos fenômenos. Admitida essa realidade, não há unidade de vistas sobre os padrões e as condições em que se apresentam e, sobretudo, sobre sua explicação. Não há, pois, nenhum enfoque teórico único direcionando a pesquisa, o que configura uma típica situação “pré-paradigmática”.

E fragilidades em quaisquer áreas do conhecimento são exatamente os pontos epistemológicos isolados e testados. E, caso não passem no teste, as áreas são quebradas ou modificadas. Pois, segundo Thomas Kuhn, de forma geral, quem desejar que seu novo paradigma seja aceito tem que demonstrar que eles “são capazes de resolver os problemas que conduziram o antigo paradigma a uma crise”. Deste modo, a psicologia parece promissora porque estes furos/ausências em seus próprios núcleos teóricos atualmente são testados através de importantes trabalhos dos estudiosos de PSI e dos investigadores de médiuns.
Com efeito, em palestras como esta, somos obrigados a situar somente dois grandes aspectos destas pesquisas sobre vida após a morte e PSI: 1. Realmente existem evidências cientificas mais do que suficientes para que estudos sobre PSI e vida após a morte seja levados muitíssimo a sério. 2. Ninguém sabe os limites de PSI, portanto, não é possível aferir fortemente se as forças anômalas são de algo interno (“mente/soma?”) ou externo (um “espírito?”, p. ex.,). Perdoem-nos por citar experiências pessoais, mas com elas, igualmente, entendemos que permeando estes dois eixos, a fragilidade de alguns conceitos como, por exemplo, o de “inconsciente”, nos parecem portas de estudo que podem levar a caminhos nunca trilhados. Tal conceito, nos parece um misterioso “deus ex machine” que tudo explica, sem explicar bem ele mesmo. Para alguns estudiosos, o inconsciente guarda as impressões de vidas passadas e não somente, aquilo que é concernente a esta vida.
Tendo em vista os meandros até aqui percorridos, gostaríamos de sugerir que os psicólogos desta área não podem deixar de fomentar estudos cujas naturezas são fortes o suficiente para quebrar ou resignificar paradigmas. Ou seja, devem focar, sobretudo, estudos que possibilitem verificar a veracidade dos eventos anômalos e da vida após a morte.
Hermínio de Miranda que, há décadas, realiza experimentos com regressão de memória e, sem dúvidas, estudou com acuidade a obra de Freud, afirma:

No conceito de inconsciente, por exemplo, falta um elemento vital ao seu entendimento: o das vidas sucessivas. Freud partiu aqui de um principio válido, aliás, inescapável, – o de que a gênese de nossos problemas emocionais está em nós mesmo ou, melhor ainda, em nosso passado. (...) a intuição de Freud passou pertíssimo, Ele até usou palavras-chave como regressão e fixação, repressão e trauma.

Talvez os futuros psiquiatras aqui presentes se deparem com eventos que os façam recordar tais considerações. Se for o caso, nos estudos de fenômenos anômalos talvez seja extremamente importante testar a intencionalidade, o livre arbítrio e a capacidade erudito-intelectiva dos fenômenos, enquanto dados que podem contribuir para a solução do problema dos limites de PSI e do conceito de inconsciente.
Pensado com T. Kuhn, se alguém deseja demonstrar, que aquilo que chamamos de inconsciente possuiu “conteúdos” de outras reencarnações, estas pessoa deve argumentar e explicitar que, através desta mudança, tal conceito se adequaria melhor com todos os fenômenos observados. Igualmente, os resultados técnico-práticos desta reconceituação devem ser mais eficientes do que antes, abrindo ainda perspectivas reais para solucionar vários e, mesmo, novos problemas próximos. Entre estes problemas podemos apontar a questão da dissociação de múltiplas personalidades.
Neste momento, já é possível tocar nas pesquisas sobre lembranças espontâneas ou provocadas de vidas passadas. Quando alguém relata que possuiu lembranças de vidas passadas, sobretudo, crianças. E os pais descobrem, de forma impressionante, que estas lembranças podem ser verificadas em termos de pesquisas empíricas, a questão fundamental passa a ser qual a melhor explicação para o fenômeno, e não se o fenômeno realmente acontece. De forma geral, os céticos sérios só podem argumentar que a criança acertou os fatos narrados a partir de dois eixos: a) ela obteve as informações de algum modo; b) foi um acaso. A segunda parece estatisticamente improvável. Atenção, não dissemos impossível. Já a primeira nos parece bastante instigante, pois diante de centenas de estudos de casos realmente impressionantes, defendemos que não existem muitas razões epistemológicas (incluindo a navalha de Ockham) para não ampliar as hipóteses admitindo, – nem que seja, com menor possibilidade –, que as supostas memórias das vidas passadas são reais. Aqui, acreditamos ser fundamental que estes pesquisadores aprimorem cada vez mais suas técnicas de coletas de dados.
Enfocando, neste momento a transcomunicação instrumental, os pesquisadores que se dedicam a estes trabalhos alegam que gravam vozes de mortos e que, em tais sons, é possível aferir que eles: passam informações muitos pessoais; são vozes humanas; são vozes fisicamente/somaticamente semelhantes as dos mortos. Estas pesquisas me parecem muito promissoras, por terem uma base experimental empírica relativamente fácil de aferir. Aqui, a antiga dicotomia entre ciências duras e humanas parece favorecer os ousados pesquisadores que afirmam conseguir provar que os mortos se comunicam. Tais estudiosos alegam, pois que já existem meios técnico-científicos suficientes para demonstrar a veracidade de suas conclusões. Nesse sentido, não se tratam de persistir com a presença de hipóteses “ad hoc” inverificáveis para sustentar pontos nebulosos. Ao contrário, os supostos dados vocais anômalos podem ser testados “antes mesmo” de serem teoricamente obscuros. Em termos simples, os transcomunicadores podem tentar pericialmente sustentar que as vozes são de mortos, enquanto lidam com os outros problemas teóricos desta empreitada. Mas se isso é um fato, perguntamos a vocês: Porque estes estudos ainda são marginais? Esta pergunta fica para a reflexão dos senhores.
Em contrapartida é lícito vocês também perguntarem que, se além do amplo rigor teórico-metodológico, existe mais algum procedimento fundamental para se estudar cientificamente vida após a morte. Respondemos afirmativamente.
Estes fenômenos, enquanto objetos de estudo, gostam de dificultar certos pressupostos considerados genericamente importantes para o labor científico como a necessidade de repetição controlada em condições rigorosas. Novamente, pedimos perdão por falar sobre elas, mas diante de nossas experiências pessoais, defendemos que quem almeja estudar cientificamente a vida após a morte, deve se assemelhar aos caçadores de tornados que não esperam que tais fenômenos ocorram em seus quintais; antes ao contrário, estão epistemologicamente conscientes das peculiaridades de seu objeto de estudo. Com efeito, me parece que este raciocínio é válido para o estudo da maioria dos fenômenos anômalos. O que desejamos dizer é: Tais pesquisadores devem estar trabalhando onde os fenômenos anômalos parecem surgir mais freqüentemente.
Talvez alguns entre vocês tenham anotado que em nenhum momento falei sobre temas teológicos ou metafísicos. Obviamente, tais questões são incontornáveis quando o assunto é vida após a morte. Cedo ou tarde se unirão ao bojo das pesquisas e, parece claro, que estarão engendrados em um largo debate ético-religioso. Não obstante, gostaríamos de sustentar aqui que, em nossa contemporaneidade, é absolutamente possível estudar a vida após a morte sem tais elementos, pelos menos a priori. Estamos realmente convencidos que, diante dos avanços teórico-metodológicos das pesquisas a cerca da vida post-mortem e, sobretudo, em face da supracitada necessidade de aceitação paradigmática deste novo tema pelas comunidades cientificas, é melhor que estes elementos venham depois.
Em se aproximando do fim, gostaríamos de cumprir o que prometemos inicialmente e falar porque pesquisas após a morte nos parecem fundamentais. Para uma platéia de médicos iremos nos concentrar majoritariamente no âmbito da saúde.
Estamos convencidos que estudar a vida após a morte, obtendo resultados científicos sobre sua realidade, significa desvelar uma imensa gama de possibilidade teóricas que, irão afetar diretamente a vida humana. Sobretudo, se for verdade, que nosso tempo, realmente é propício a quebra de paradigmas como gostamos de acreditar. Claro, que é extremamente difícil estabelecer metanarrativas planetárias, mas apostaríamos todas as nossas fichas que, tal evento afetaria grandemente as idéias de todos os cidadãos não alienados do planeta. Sem falar que ter ciência da existência cientifica de uma sobrevivência além da matéria seria apenas o começo de múltiplos experimentos complementares como, p. ex., aperfeiçoar a própria comunicação entre os dois planos de vida. Mas, tentando não ir longe com a arriscada futurologia, uma coisa parece mais palpável de início. A nosso ver, as ciências, como a medicina, são meios que buscam, ou deontologicamente devem acarretar melhorias para a existência humana. Estamos fortemente convencidos que o conhecimento realmente liberta. E, ao contrário do que alguns “pós-modernos” querem pregar, gostamos de acreditar ser possível, sob vários aspectos, afirmar que o conhecimento humano de alguma forma progride e, por assim dizer, devemos promover estas mudanças. Deste modo, mesmo que todos os médicos não se tornam especialistas na vida após a morte, parece coerente prever que, neste panorama futurista, todos irão dedicar mais cuidados não apenas com corpo material, mas com todos os aspectos das existências (material/e post-mortem). Fortalecendo ainda mais os laços com outras áreas do conhecimento. Nesse sentido, focar a morte e situá-la enquanto objeto científico, no limite, implica fortalecer a belíssima e sacra missão de todos os seguidores de Hipócrates: salvar e melhorar vidas.

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Palestra apresentada para os estudantes de medicina da Universidade Federal do Ceará em Dezembro de 2009.
Cf. SUZANA, Marly da C. Magalhães. BARRETO, José Anchieta E.. O Discurso Epistemológico: modernos e pós-modernos. p. 212-213.
Consideramos que certos estudos sobre PSI estão intimamente entrelaçados aos estudos sobre vida após a morte, portanto, este tema será igualmente privilegiado. Sobre PSI deve ser esclarecido: “Os fenômenos Psi ou parapsíquicos remontam à história do próprio homem, porém, o início do seu estudo científico é atribuído às pesquisas pioneiras do eminente Químico e Físico William Crookes, em 1872. A partir de seus estudos, que deram grande evidência aos fenômenos, vários cientistas envolveram-se com o que, na época, chamava-se de Pesquisa Psíquica e, posteriormente, de Metapsíquica. Todos esses brilhantes pesquisadores foram acusados, discriminados e "excomungados" do meio científico. Como resposta a essa exclusão científica, surgiu, em Janeiro de 1882, a SPR (Society for Psychical Research - Sociedade para Pesquisa Psíquica) de Londres, que tinha como objetivo estudar o mesmerismo e o hipnotismo; as curas paranormais; a clarividência; a transmissão do pensamento; a mediunidade física e mental; as aparições e assombrações. Já em 1884, surge a filial norte-americana da SPR a ASPR (American Society for Psychical Research). O período compreendido entre 1882 e 1930, o qual ficou também conhecido como Era Heróica, é caracterizado principalmente pela pesquisa qualitativa de casos espontâneos ligados, na sua maioria, à questão da sobrevivência da alma após a morte física. Os sujeitos investigados eram Médiuns e/ou Psíquicos brilhantes que geravam fenômenos de efeitos físicos incríveis, tais como a materialização de corpos e objetos, ou a levitação de objetos e, às vezes, dos seus próprios corpos. Cientistas dos mais eminentes tentaram comprovar a existência desses fenômenos diante de uma comunidade científica que os negou terminantemente. A sua aceitação implicaria em mudanças radicais no sistema de crenças e paradigmas da época. Além disso, algumas tentativas de fraude por parte de alguns médiuns serviram para que esses fenômenos fossem genericamente desacreditados.” Cf. SILVA, Fabio Eduardo da. Contextualização da Parapsicologia: definição, fenômenos, histórico, pesquisas e tendências. p. 4.
GOVEIA, Ricardo. A Verdade na Filosofia. p. 17.
BELLO, Rodrigo. A Questão da Verdade Cientifica. p. 1.
CHEVITARESE, L. “As ‘razões’ na Pós-modernidade”. p. 1.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções cientificas. p. 253.
KUHN. Thomas S. A Estrutura das Revoluções Cientificas. p. 212.
CHIBENE, Silvio. Investigando o desconhecido: filosofia da ciência e investigação de fenômenos “anômalos” na psiquiatria. p. 3.
Sobre as afirmações deste parágrafo, Cf. KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Cientificas. p. 190-197 e passim.

Para Alexandre Moreira: “Quando se procuram evidências a favor de uma dada hipótese, é preciso ter em mente qual grau de certeza se deseja alcançar. Importante ter em mente que não é possível encontrar a comprovação cabal e definitiva de qualquer hipótese em qualquer ciência, inclusive na física (Chalmers, 1997; Popper, 1963). Esta ingenuidade epistemológica, a busca de uma prova definitiva, tem permeado o discurso de vários pesquisadores que comentam as pesquisas de sobrevivência postmortem (Moreira-Almeida, 2006). Assim, o que se deve esperar das pesquisas científicas é o acúmulo de evidências a favor ou contrárias a uma dada hipótese.” MOREIRA-ALMEIDA, Alexandre. É possível estudar cientificamente a sobrevivência após a morte? p. 5.
Cf. KUHN. Thomas S. A Estrutura das Revoluções Cientificas. p. 215.

CHIBENE, Silvio. Investigando o desconhecido: filosofia da ciência e investigação de fenômenos “anômalos” na psiquiatria. p. 3.
KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Cientificas. p. 193.

A parapsicologia pode ser definida “como o campo cientifico voltado a investigar certos eventos associados com experiências humanas. Essas experiências são denominadas anômalas visto que são difíceis de explicar dentro dos parâmetros de tempo, espaço e energia da ciência vigente” Cf. SILVA, Fabio Eduardo da. Contextualização da Parapsicologia: definição, fenômenos, histórico, pesquisas e tendências. p. 1.
MIRANDA, Hermínio de. A memória e o Tempo. p. 163.

Eduardo F. da Silva afirma que: “Dentre as muitas controvérsias as quais a parapsicologia esta envolvida, talvez a mais antiga, atual e importante diga respeito a se os fenômenos por estudados ela realmente existem ou não. Com base nas técnicas Meta-analíticas aplicadas aos experimentos psi podemos afirmar que tanto a ESP como a PK existem. Ou seja, a base de dados estatísticos acumulados sobre esses experimentos oferece uma evidência científica muito forte a favor da hipótese psi. Essa evidência experimental vem a confirmar muitos dos dados das pesquisas de levantamento e de campo. Isso não significa dizer que exista um consenso a esse respeito. Os intermináveis debates científicos entre os céticos e os parapsicólogos, ou mesmo entre esses últimos, revela que estamos longe de resolver essa questão. Já com relação aos fenômenos sugestivos da hipótese da sobrevivência da consciência após a morte física, as controvérsias e debates se intensificam imensamente. A dificuldade de verificar alguns desses fenômenos experimentalmente sem que se possa excluir muitas hipóteses explicativas, dificulta em muito um avanço na sua compreensão. Alguns deles inclusive, não são passíveis de verificação experimental.” SILVA, Fabio Eduardo da. Contextualização da Parapsicologia: definição, fenômenos, histórico, pesquisas e tendências. p. 3.
Cf. MIRANDA, Hermínio de. A memória e o Tempo. p. 45-46 e passim.
Estamos pensando, p. ex., nos trabalhos de Ian Stevenson que podem ser observados no site: http://www.healthsystem.virginia.edu/internet/personalitystudies/ Em língua portuguesa recomendamos:
STEVENSON, I. Metade de uma carreira com a paranormalidade. Revista de Psiquiatria clinica 34 (supl.1): 150. Disponível em: www.hoje.or.br/site/artigos
A transcomunicadora Sonia Rinaldi alega: “(...) No caso da Transcomunicação, exaustivamente essa segunda hipótese fica descartada, por uma série de fatores que não arrolaremos para não nos estendermos. Mas sumarizamos dizendo que as Vozes que gravamos falam de coisas que ninguém sabia, dão nomes de pessoas, cidades de origem, etc., que o transcomunicador nunca ouviu falar. Filhos falecidos mencionam peculiaridades que só a família sabe, etc. Não há a menor possibilidade de ser produto da mente de alguém. Necessariamente, os contatos mostram que estamos em contato com seres que já partiram”. NETO, Manoel Fernandes. Reportagem: Vida após a morte será tema de dissertação na PUC de São Paulo. p.1.
H. F. Japiassu sobre a nossa contemporaneidade e, refletindo a cerca de certas crises políticas e das categorias de racionalidade ocorridas na metade do século XX, percebe: “(...) Com a emergência dos totalitarismos, o desmoronamento das ideologias de esquerda e o declínio da mitologia do Progresso, vivemos um momento histórico caracterizado pela evanescência dos conflitos social, político e ideológico. Nosso mundo pode ser caracterizado por uma tríplice recusa: 1. da visão global da História como progresso ou emancipação, conduzindo os indivíduos a adotarem uma atitude de profundo agnosticismo político; 2. da idéia de uma razão uniforme e universal, levando os indivíduos a não saberem mais se devem ou não pensar ou a acharem que se equivalem todos os modos de pensar; 3. da diferenciação estrita das esferas culturais (arte e filosofia, por exemplo), levando os indivíduos a acreditarem que podem ser fundidas na base de um princípio único de racionalidade ou de funcionalidade. Cf. JAPIASSU, H, F. A Crise na Razão no Ocidente. p. 3.


Referências:
1. BELLO, Rodrigo. A Questão da Verdade Cientifica. Disponível em: http://rodrigobello.wikidot.com/a-questao-da-verdade-cientifica-bartira-santos Acesso em: 05.12.09
2. BERTRAND, S. A Razão no século XX. Tradução de Mario Pontes. Brasília: UNB, 1998.
3. CHEVITARESE, L. As ‘razões’ na Pós-modernidade. Análogos. Rio de Janeiro: Booklink, 2001.
4. CHIBENE, S. S. & Moreira-Almeida A. (2007). Investigando o desconhecido: filosofia da ciência e investigação de fenômenos “anômalos” na psiquiatria. Revista de Psiquiatria Clínica 34 (supl 1):8-16. Disponível em: www.hoje.org.br/site/artigos Acesso em: 05.12.09.
5. SILVA, Fabio Eduardo da. Contextualização da Parapsicologia: definição, fenômenos, histórico, pesquisas e tendências. p. 1. Disponível em: http://www.unibem.br/livres/arquivos/Parapsicologia.PDF Acesso em: 09.10.09.
6. JAPIASSU, H. F. A crise na razão no Ocidente. Revista Eletrônica Sinergia, 2000. Disponível em: http://www.sinergia.spe. Acesso em: 2 fev. 08
7. MIRANDA, Hermínio de. A memória e o Tempo. 4º. Edição. Publicações Lachâtre, 1994.
8. KUHN, T. S. (1970). The structure of scientific revolutions (2nd ed.). Chicago, IL: University of Chicago Press.
9. KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.
10. MOREIRA-ALMEIDA, Alexander. É possível estudar cientificamente a sobrevivência após a morte? Capítulo publicado em: Incontri, D. & Santos, FS. A Arte de Morrer visões plurais. (pag. 36-44) Bragança Paulista, SP. Editora Comenius, 2007.
11. NETO, Manoel Fernandes. Reportagem: Vida após a morte será tema de dissertação na PUC de São Paulo. Disponível em: http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1242. Acesso em: 05.12.09.
12. STEVENSON, I. Metade de uma carreira com a paranormalidade. Revista de Psiquiatria clinica 34 (supl.1): 150. Disponível em: www.hoje.or.br/site/artigos Acesso em: 06.10.09
13. SUZANA M. C. M.; BARRETO, J. A. (Org.). O discurso epistemológico: modernos e pós-modernos. Fortaleza: Imprensa Universitária – UFC, 2003.
14. WADOMIRO, J. S.. Interpretação, razão, ceticismo. In: LUIZ, P. R.; WADOMIRO, J. S. (Org.). Razão mínima. São Paulo: Unimarco, 2004.






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